terça-feira, 5 de março de 2013

O que é a insônia infantil?



Quando uma criança pequena demora para adormecer ou acorda várias vezes durante a noite e chama a mãe, diz-se que sofre de “insônia infantil devido a hábitos incorretos”. No Manual de Diagnóstico dos Transtornos Mentais (DSM-IV), uma classificação internacional geralmente aceite, não aparece qualquer enfermidade com essa designação. O que aparece é “insônia primária”, cujos critérios de diagnóstico principais são “dificuldade para iniciar ou manter o sono” que provoca “mal-estar clinicamente significativo ou problemas sociais, laborais ou em outras áreas importantes da atividade do indivíduo”.

Se meu vizinho gosta de se deitar às dez horas, mas eu prefiro ficar lendo até a meia-noite, pode-se dizer que eu tenho insônia? Claro que não; teria que ser insônia se eu fosse me deitar às dez, mas não conseguisse dormir até a meia-noite. Por outro lado, se uma criança não quer dormir, mas brincar, dizem que sofre de insônia. Se me tirarem o colchão e me obrigarem a dormir no chão irá custar-me muito a adormecer. Isso significa que tenho insônia?

Claro que não! Devolvam-me o colchão e verão como durmo bem. Se separam uma criança da mãe e lhe custa a adormecer, terá insônia? Você vai ver como dorme bem se a deixarem voltar a dormir com a mãe!

A verdadeira insônia, de que sofrem os adultos, é totalmente diferente dessa “insônia infantil” que se tirou da manga. Existirão crianças, suponho, que sofrem realmente de insônia, mas habitualmente estamos falando de crianças que não querem dormir ou que querem dormir mas não podem porque as privam do contato humano de que necessitam para dormir bem. O “mal-estar clinicamente significativo” não é produzido pela falta de sono, mas pela falta de contato humano. O único mal-estar somos nós mesmos que o produzimos, quando, enganados por certas teorias, negamos aos nossos filhos a satisfação de suas necessidades mais básicas.

Ensinar as crianças a dormir

Existem adultos que não sabem ler ou que não sabem geografia porque ninguém os ensinou. Mas não há ninguém que não saiba dormir. Dormir, como comer, respirar ou andar, não é um comportamento aprendido. Todos nascemos sabendo dormir, comer e respirar e começamos a andar quando atingimos a idade adequada, sem que ninguém nos ensine. Podemos é aprender a modificar de uma forma específica esse comportamento inato. Todos sabemos comer, mas para comer com pauzinhos chineses ou com faca e garfo, é preciso aprender. Todos sabemos respirar, mas para tocar flauta temos de aprender. Todos sabemos dormir, mas para fazê-lo de determinada forma culturalmente aceite (vestir o pijama, deitar-se na cama) temos de aprender. É certo que os nossos antepassados pré-humanos já dormiam e não necessitavam aprender nada.

Quanto mais se separa a forma como queremos que nossos filhos durmam da forma como é natural para eles fazerem, mais temos de ensinar. É muito mais fácil ensiná-los a dormir com pijama ou numa cama do que ensiná-los a dormir sem a mãe. Se estão com a mãe, deixam por fralda, pijama e tudo mais que faça falta. Não há crianças que armem um escândalo para tirar o pijama ou que exijam dormir com a mãe ao ar livre, numa cama de ramos e folhas, como sem dúvida dormiam os nossos antepassados. Ninguém teve de escrever um livro explicando um método para vestir o pijama às crianças que não o deixam fazer. Não, as crianças não são caprichosas; nas coisas que não lhes parecem importantes estão sempre dispostas a serem cordatas e fazer aquilo que lhes pedimos. Mas ao pretendermos que durmam sozinhas, estamos exigindo algo totalmente contrario aos seus mais profundos instintos, e a luta é tenaz.

Uma pessoa que não é capaz de andar ou de respirar está doente. Mas uma pessoa que não aprendeu a dançar ou a tocar flauta não tem qualquer doença nem vai ficar doente por não ter aprendido tais coisas. Do mesmo modo, uma criança que não conseguisse dormir estaria doente (e muito gravemente, certamente; a privação absoluta de sono pode originar a morte em poucos dias). Mas uma criança que não aprendeu a dormir sozinha, a dormir com o boneco, a dormir no seu berço ou a dormir no momento que mais nos convém, não sofre de qualquer doença, nem vai ficar doente por esse motivo.

Dizer a uma mãe que, se o filho não dorme sozinho nem uma vez, vai ter graves problemas de sono é tão cruel, tão absurdo e tão falso como dizer-lhe que, se o filho não aprender a tocar flauta, vai sofrer de uma insuficiência respiratória quando crescer.

Claro que os defensores de que as crianças devem aprender a dormir sozinhas mantêm, neste assunto da aprendizagem, doutrinas contraditórias. Por um lado, parece que é preciso a ensinar as crianças a dormir, coisa que já refutamos. Noutros casos, admite-se que a criança já sabe dormir, mas que é necessário ensiná-la a dormir de forma adequada, isto é, como os pais querem (sempre e quando os pais querem, “sozinho, no quarto, de um só sono”; se os pais quiserem outra coisa, então, já não tem direito de escolher).

Por último, por vezes explica-se a história ao contrario: o normal, aquilo que todas as crianças vêm ao mundo preparadas para fazer dormir, é dormir sozinhas, dormir toda a noite de um só sono e não se alimentar durante a noite. Se pedem a presença dos pais para adormecer, os chamam no meio da noite ou pedem para ser alimentadas, é porque aprenderam um mau hábito. A dita aprendizagem teria sido aprendida por condicionamento operativo: a presença dos pais ou do alimento atuaram como reforços positivos, aumentando a frequência do comportamento reforçado (acordar, chorar). O que é necessário fazer é “reeducar” as crianças, que esquecem o que foi aprendido e voltam ao “normal”.

Mas esta teoria apresenta vários pontos fracos:

a)      Por que razão existem tão poucas crianças que fazem o “normal” e tantas que “aprendem” a fazer algo de anormal? Em muitas sociedades humanas, dormir com os pais ou mamar durante a noite é considerado normal e universal. Mas mesmo na nossa sociedade, em que tais fatos são considerados anormais e são frequentemente criticados, a maioria dos pais “ensina” involuntariamente maus hábitos aos filhos. No estudo de Currel (47) mencionado, 6 por cento das crianças dormiam com os pais; mas, de entre as que dormiam sozinhas, 21 por cento dormia num lugar “não-recomendável”; 64 por cento das crianças e 73 por cento dos pais levavam a cabo rituais de conciliação de sono “não recomendáveis”; 13 por cento tomava bebidas ditas “não normais” à noite; 46 por cento apresentava um comportamento “alterado”; e 51 por cento acordava durante a noite. Somando tudo, 279% faziam algo mal. Isto é, contavam-se três coisas erradas por cada criança, e vale a pena perguntar se existia alguma criança que fizesse tudo certo. Se é verdade que a insônia infantil constitui uma doença, é a mais terrível praga da história, não existe ninguém são! É claro que entre aqueles que dormiam com os pais, a percentagem de pecados era ainda maior para todos os mandamentos.

b)      Por que razão o “normal” (dormir sozinho) é tão fácil de se esquecer e o “anormal” (chamar a mãe) tão fácil de aprender? Ensinar maus hábitos às crianças seria, segundo esta teoria, algo que a maior parte dos pais consegue em pouco tempo, sem conhecimentos de pedagogia e sem mesmo se propor a fazê-lo; ensinar-lhes um sono “normal”, pelo contrário, obriga a uma vigilância constante (“não façam nada que não lhes tenha sido explicado (15)”), recomendações muito pormenorizadas, com objetivos e métodos claramente explicados e complexos horários de espera.

Deste modo, os pais normais devem ser excelentes pedagogos que, em dois dias e como quem não quer a coisa, ensinam aos filhos uma forma muito difícil e estranha de dormir. Por que razão não usam os mesmos métodos para ensinar aos filhos dança clássica, física atômica e filologia eslava? Iriam criar um gênio!

Não seria mais lógico que acontecesse exatamente o contrário? Não deveria ser necessário um grande esforço para desviar uma criança do seu comportamento instintivo, ao qual ela voltaria à menor oportunidade? É exatamente isso que acontece. É necessário esforço, método e insistência para que uma criança durma sozinha, porque isso vai contra a sua tendência inata. Mas volta a chamar os pais à mínima oportunidade, porque isso é o normal.

c)      O exemplo clássico do condicionamento operativo é o rato que recebe alimento (reforço positivo) sempre que aperta uma manivela. Segundo aqueles que acreditam nos “hábitos incorretos aprendidos”, acordar e chamar os pais é como mover a manivela. Mas a primeira vez que o rato faz, ele o faz por casualidade, pois não sabe para que serve. A você, lhe parece que a criança acorda e chora por acaso, como o rato que, às voltas na gaiola, pisa a alavanca sem querer? Ou, antes, será que as crianças desde que nascem mostram uma forte tendência para chamar a mãe? Não, chamar a mãe não é um comportamento aprendido, é um comportamento inato.

Por outro lado, o rato apenas aperta a alavanca se lhe oferecerem comida e tiver fome. Se, ao apertar a alavanca, em vez de comida saíssem pepitas de ouro, o rato não voltaria a incomodar-se. Apenas serve como reforço aquilo que satisfaz uma necessidade do rato. As pessoas trabalham por dinheiro, porque sabem que com o dinheiro podem comprar comida; o rato não compreende algo tão complexo e age apenas em troca da comida. Implicitamente, aqueles que acreditam que a presença da mãe atua como reforço positivo estão admitindo que essa presença é tão necessária para a criança quanto o alimento o é para o rato.

Deste modo, a brilhante ideia “não responda quando o bebê chorar, porque assim ele deixará de o fazer é equivalente a “não dê comida ao rato quando aperta a alavanca e assim ele deixará de a apertar”. O problema é que o rato morre de fome se não lhe derem comida. E as crianças, o que lhes acontece se não lhes for dada atenção?

Bésame mucho - Ed. Pergaminho - Carlos González

Fonte: https://www.facebook.com/notes/solu%C3%A7%C3%B5es-para-noites-sem-choro/o-que-%C3%A9-a-ins%C3%B4nia-infantil/491572327533848

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